quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Brasileiras são maiores vítimas de prostituição forçada na Espanha.

Um relatório divulgado nesta terça-feira por uma organização não-governamental na Espanha diz que 77% das mulheres forçadas a se prostituir no país são brasileiras.

O estudo chamado Luta contra o Tráfico de Mulheres, feito pela Federação de Mulheres Progressistas da Espanha, estima ainda que 72,5% das mulheres que entram nesse mercado sejam aliciadas pela própria família.

São casos de familiares que indicam mulheres para os operadores dos esquemas de exploração ou atuam como os próprios exploradores.

O relatório revela ainda que, embora a maioria diga que chega à Europa enganada com falsas ofertas de trabalho, 83% já haviam exercido a prostituição nos seus países de origem.

Oficialmente, a cada ano cerca de 20 mil mulheres são vítimas de quadrilhas de prostituição na Espanha. Mas para as ONGs do país este número não representa nem a metade do total.

Do total de prostitutas, 58,59% são estrangeiras.

Redes de tráfico

O estudo é baseado em dados oficiais da polícia, principalmente das investigações de redes de tráfico de seres humanos.

Além de traçar o perfil da mulher prostituída, o trabalho detalha o esquema das quadrilhas de cobrar dinheiro das mulheres, em forma de exploração sexual, por oferecer passagem, passaporte, hospedagem e alimentação na Espanha.

Essas dívidas são anunciadas na chegada ao país. Já no desembarque as mulheres ficam sabendo que têm uma dívida pelo investimento da viagem e que a quantia deve ser paga através da prostituição.

As cifras variam entre 5 mil e 8 mil euros por cada mulher, dependendo da rede de tráfico. Em média elas demoram entre um e dois anos para pagar.

Segundo as investigações, as quadrilhas normalmente liberam as mulheres depois que elas saldam suas dívidas. Mas a maioria continua no mercado.

“É um ciclo difícil de sair”, disse a presidente da ONG Yolanda Bestero.

Segundo Bestero, a dívida é paga, mas “muitas continuam com a obrigação de mandar dinheiro às suas famílias e seguem em situação ilegal, o que as impede de sair da prostituição, apesar de estarem livres”.

Drogas e falta de informação

A ONG entregou uma cópia do relatório ao governo e reivindicou mais atenção social às vítimas de prostituição, começando por proteção judicial.

“A maioria (das vítimas) nunca denuncia por medo”, afirma Bestero.

Segundo a presidente da ONG, as mulheres não denunciam por estarem em situação ilegal, por serem viciadas em drogas, ou por mera falta de informação, entre outros fatores.

De acordo com o informe, 56,3% das mulheres nem terminaram seus estudos primários.

O governo espanhol já tem um projeto de lei para tentar regulamentar o setor. Chamado de Plano Integral contra o Tráfico de Seres Humanos com fins de Exploração Sexual, o projeto prevê a criação de uma polícia especializada para combater as quadrilhas, com um orçamento de 20 milhões de euros por ano.

O projeto prevê medidas como a fiscalização dos aeroportos aonde chegam as mulheres vítimas dos esquemas além de campanhas de conscientização do problema.

Só em 2007, segundo o Ministério do Interior, a polícia desarticulou 117 quadrilhas ligadas à prostituição e prendeu mais de 500 suspeitos.

A Espanha está entre os dez principais destinos de redes de prostituição mundial, de acordo com a Organização das Nações Unidas.
PROSTITUIÇÃO INFANTIL

A prostituição infantil é um mau presente em todas as partes do país normalmente envolvendo o crime organizado que a alicia para esta atividade. A prostituição infantil pode acontecer:

Quando uma criança ou adolescente se prostitui nas ruas de qualquer cidade em busca de dinheiro. A criança leva este fim quando é submetida à violência dentro de casa e resolve fugir. Para fugir, essa criança necessita de ajuda de terceiros e faz qualquer coisa para ficar livre de casa e de sua família se submetendo a qualquer tipo de pagamento. Desse modo, se iniciam sexualmente e posteriormente tornam-se escravas do sexo para ganharem dinheiro para comer, se vestir e principalmente para se drogar. Normalmente são aliciadas por cafetinas e cafetões que permanecem por trás da organização, mas há casos de menores que encontram “um ponto” e ali permanecem para vender seu corpo.

Quando um conhecido ou parente usa uma criança ou adolescente a fim de promover seu prazer. Toca a criança para estimulá-la e também coloca a criança para o tocar com o único objetivo de usá-la como objeto de prazer. Crianças agressivas com a família, com dores na genitália, com lesões e/ou sêmen no ânus ou na vagina, com preocupações precoces relacionadas ao sexo, com inflamações e hemorragias devem ser examinadas, pois estes são sintomas que uma criança ou adolescente que está sendo ou que foi sexualmente abusada apresenta.

Prostituição infantil é crime de ordem pública, isto é, pode ser denunciada por qualquer pessoa que viu ou presenciou tal fato.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

PROSTITUIÇÃO, MARGINALIDADE E CIDADANIA

Desde a conferência de Alma Ata em 1978 vem sendo incentivada a participação da comunidade nos projetos de saúde pública. Stone (1992) explica que desde o início dos anos 70 ganham destaque as políticas de cuidados primários que privilegiam a educação para a saúde e a participação comunidade: “Comunidades devem identificar suas próprias necessidades e assumir as suas responsabilidade no desenvolvimento em saúde” (Stone,1992:409).

No Brasil, vem se consolidando, desde o final da década de 70, o Movimento de Reforma Sanitária que tenta redefinir a relação entre o sistema de saúde pública e o “público” propriamente dito. As reivindicações do movimento incluem a descentralização de decisões e recursos com a clara aproximação do saber médico da comunidade, seguindo a mesma lógica do contexto mundial e da Conferência de Alma Ata. (Aguilera,1996)

A história da AIDS vai mostrar um perfil que seguirá exatamente essa ótica da participação comunitária. Ou seja, a doença foi inicialmente identificada nos Estados Unidos da América (EUA) em 1981 e foi lá que nasceu o seu modelo de prevenção. O protagonista nessa cena não foram as agências governamentais de saúde pública, mas o movimento gay. Foi ele quem montou a primeira medida de prevenção da doença, centrada na participação comunitária que utilizava como instrumentos os grupos de pressão, os grupos de auto-ajuda, o empowerment, a conscientização, etc. Foi também esse tipo de estratégia que deu mostras, pela primeira vez, de estar conseguindo controlar a doença, observando-se, a partir daí, uma redução na incidência de HIV entre homossexuais americanos, principalmente entre os brancos de alto nível educacional. Tal estratégia, que se mostrou eficaz nos EUA, virou o modelo a ser implementado no restante do mundo. A meta das agências de promoção à saúde internacionais passou a ser o incentivo a lideranças locais – homossexuais, prostitutas e outros grupos que eram considerado como sendo “de risco” para a doença – para que estes se organizem e com isso reproduzam o acontecido nos EUA.

Em 1987 a OMS (Organização Mundial de Saúde) formaliza o programa especial de AIDS, mais tarde Global Programme on AIDS, ou GPA. Esse programa distribui diretivas e linhas programáticas aos diferentes governos do mundo, e insiste na inclusão das ONGs na luta global contra a AIDS. As organizações americanas tinham trazido para a luta as pessoas com AIDS a insistência na prevenção, a ajuda mútua, as organizações comunitárias de base. Começava então a se dar uma transformação totalmente inovadora nas instituições e programas sanitários a nível mundial que implicava no incentivo a uma tomada de consciência das dimensões sociais nas questões da saúde, assim como a inclusão dos afetados e a priorização dos direitos humanos. (Bastos,1996) Objetiva-se com isso fugir da visão dos grupos de risco como vítimas passivas, colocando-os como fonte de poder político. (Larvie,1997)

O personagem que ganha relevância na organização comunitária vai ser o próprio sujeito pertencente aos “grupos de risco”, que conheceriam melhor seus próprios dilemas e linguagens. (Asthana and Oostvogels, 1996) A proposta da OMS é que as comunidades devam traçar seus próprios destinos e metas. Para Singer as comunidades “...tem o direito de estar ativamente envolvidas na administração dos seus destinos e conseqüentemente conseguirem evitar serem vitimados pelas boas (ou más) intenções dos outros” (Singer,1993:17)

Há que se contextualizar, entretanto, tal fenômeno. Ele surge em um período de capitalismo avançado, onde uma nova ordem econômica e social está sendo construída: a globalização. (Ramonet,1997, Jannerz,1996; e outros) Entretanto, a reação de cada sociedade a este novo modelo global, que pretende penetrar o mundo inteiro, não é igual (Bibeau, 1997,Kakar,1995 e outros). Apesar das fronteiras estarem se tornando cada vez mais permeáveis a idéia inicial de que a globalização induziria a uma homogeneização de todas as culturas não vem sendo observada. Gilles Bibeau afirma: “em oposição a ideologia dominante de uma cultura ecumênica global, muitos antropólogos tendem a enfatizar a noção de um `mundo creolizado’, no qual os discursos e idéias globais são reconstruídas e remodeladas a nível local.”(Bibeau,1997)

O modelo global vem desafiando as sociedades tradicionais e está induzindo um sistema mais influenciado pelas idéias de igualdade, cidadania e autonomia (livre-arbítrio), valores estes que vão fundamentar a idéia de participação comunitária. Contudo, apesar dos meios tradicionais estarem começando a desaparecer, eles ainda estão presentes na sociedade brasileira. Este fato dará a nossa sociedade um perfil ambíguo, onde alguns grupos mostrarão uma estrutura mais tradicional e outros mais moderna.(Duarte,1988;Velho, 1994) Os grupos de uma mesma população que estiverem mais próximos aos valores modernos tenderão a ter uma melhor adaptação a esta nova cultura global e conseqüentemente ao modelo de participação comunitária em saúde. Contrariamente, os grupos mais tradicionais terão maior dificuldade de organização, por desconhecerem o conceito de cidadania, possuindo uma reciprocidade mais centrado no paternalismo e menos na participação comunitária, que exige uma auto-responsabilização d sujeito.

Neste trabalho estudaremos prostitutas do Rio de Janeiro e Niterói, buscando lançar alguma luz sobre o processo de organização comunitária no contexto da sociedade brasileira. A prevenção da AIDS entre prostitutas no Brasil vai se inspirar no modelo americano, ancorando-se no movimento de prostitutas. Entretanto, para que as prostitutas pertençam ao movimento de grupo (comunitário), e preciso que se incluam dentro de uma identidade profissional de prostitutas. Contudo, não foi isso que observamos no nosso trabalho de campo com prostitutas da Praça São João (Niterói) e do Mangue (Rio de Janeiro) em 1993.

O modelo de prevenção da AIDS entre prostitutas no Brasil vem estritamente ligado à construção de uma narrativa de identidade de prostituta, ou melhor, de profissional do sexo. É a partir deste discurso que as ONGs de prevenção da AIDS entre prostitutas vão basear seu trabalho. A resposta é criar um movimento entre as prostitutas que faça a difusão dos conceitos tão necessários na saúde pública moderna: a cidadania, a auto-responsabilização e autonomia. Como fazer com que as prostitutas construam suas ONGs se vimos que elas próprias estão sempre lutando para provar que não são prostitutas, mas que estão prostitutas, por um acaso do destino, por necessidade momentânea. A meta é constituir uma comunidade de prostitutas onde antes só havia sujeitos dispersos, de forma que estas possam se organizar e lutar pelos seus direitos e cidadania. O modelo da OMS, já tão citado por nós, da participação comunitária implica na existência de uma comunidade e não de sujeitos que se sobrepõe sem criar uma identidade comum, que é exatamente o que observamos no nosso estudo com prostitutas.

De forma a melhor compreender este universo precisamos entender o significado social e cultural da prostituição na sociedade brasileira, que está estritamente ligado às divisões dos papéis sexuais e de gênero nesta cultura.

Nas culturas Latinas o gênero feminino geralmente reflete a figura de Eva. Ela é ao mesmo tempo inferior, pois foi feita da costela de Adão, e diabólica, pois sucumbiu a tentação da serpente. Mulheres são vistas como tendo uma natureza frívola, maliciosa e de baixa inteligência. São por isso a fonte de todo o pecado. Apesar da castidade ser prescrita para ambos, homem e mulher, a transgressão da regra não é séria no caso do homem. Os homens são vistos como sendo incapazes de resistir a “sedução feminina”. Em outras palavras, mesmo quando o homem peca fazendo sexo fora do casamento, isto ocorre porque ele não foi forte o suficiente para resistir a influência maléfica da mulher que está constantemente tentando-o, como Eva fez com Adão. (Richards,1993)

Para Aragão a hierarquia nas culturas Latinas se organiza a partir da família, trazendo consigo a dicotomia honra/vergonha. É importante notar que a honra é conseguida através das mulheres. Por isto o homem deve controlar a sexualidade de seu parentesco feminino: a honra da família depende do controle estrito da sexualidade feminina. Nesta sociedade, a mulher é relacionada com as forças destruidoras e incontrolável da natureza, enquanto o homem está ligado ao oposto, ou seja, a cultura. É papel do homem controlar os instintos de suas mulheres de forma a defender a honra própria e da família. Logo, “a honra do homem e da família aparecem através da constante preocupação com o comportamento sexual feminino”. (Aragão,1983:118)

Conseqüentemente, as divisões dos papéis sociais da mulher nas culturas latinas se baseia em duas categorias básicas: a primeira é da mulher controlada pelo homem e a outra é da mulher que lhe é insubordinada, sem estar sob a proteção de nenhum homem, seja ele o marido, o pai ou o irmão. Na primeira categoria encontramos a mãe, a mulher de casa, que renuncia sua sexualidade perversa, espelhando-se na imagem da virgem Maria, mãe de Cristo. Ela é a mulher sagrada, a mãe, que renunciou o êxtase do sexo de forma a construir um lar, a estrutura sagrada. A outra categoria é a da mulher não controlada, a mulher da rua, a prostituta, a puta, que carrega em si o espírito de malícia, destruição e esterilidade.



IV.c- Um Self dissociado

Quando perguntamos a uma mulher em uma área de prostituição se ela é prostituta ela nos responderá, ao mesmo tempo, “sim” e “não”. O “sim” significa que ela reconhece que sai com os clientes e troca sexo por dinheiro. O “não” significa que ela não se vê, a si própria, como uma prostituta, que para ela, significa ser uma mulher decadente. Existe sempre um grande grau de ambivalência e ambigüidade sobre esse assunto. Em todas as entrevista as prostitutas afirmavam que elas não queriam que suas filhas viessem a ser prostitutas. Também observamos que a maioria das entrevistadas escondia sua atividade da família, por vergonha.

Tal ambivalência deve ser compreendida ao nos aprofundarmos no pano de base cultural destas mulheres: são brasileiras, e a maioria de classe baixa. O Brasil é uma cultura latina e católica. Como já colocamos anteriormente, existem dois mitos principais com respeito ao status da mulher na sociedade brasileira: o da mulher da rua e o da mulher de casa. Tal dicotomia reflete a divisão que freqüentemente encontramos em sociedades tradicionais, onde as idéias de bom e mal, puro e impuro, alto e baixo são fundamentais. Ou seja, quando uma mulher se torna prostituta, ela está entrando em um caminho marginal que não está “fora” da cultura. Ela está seguindo a trajetória da mulher da rua, e deixando a da mulher de casa: os dois papéis possíveis para as mulheres. Logo, quando uma mulher se torna prostituta ela está quebrando, no seu imaginário social, com o mundo da família, da boa moça e entrando no universo da mulher perdida.

Entretanto, esta ruptura é geralmente virtual. As prostitutas não chegam a romper completamente com o mundo da família. O sonho de ser uma boa moça não morre. De fato, é precisamente por isso que elas não aceitam o mundo da marginalidade, da mulher da rua, como sendo o seu. O silêncio emerge da impossibilidade de encontrar uma auto-narrativa legítima, um lugar no mundo social. Os dois mundos não podem se misturar - o da boa moça e o da puta - pois se contradizem. A fronteira é invisível, mas tem a força de uma parede sólida. Os dois diferentes mitos não podem entrar em contato. A mulher fica suspensa entre estes dois mundos sem estar completamente identificada com nenhum deles.

IV.d - Defesas Contra o Estigma da Prostituição

Nas entrevistas era um tema freqüente o da mulher não permitir que sua atividade como prostituta contaminasse a sua vida privada. (De Meis& De Vasconcellos, 1992) Para tal diversos artifícios eram usados.

O nome de guerra é um deles e representa um nome fictício que a prostituta utiliza quando está na área de prostituição. Este mecanismo é criado de forma que seu nome de batismo, que lhe é sagrado, sendo parte de sua herança familiar e, por isso, representando a sua verdadeira essência, não seja contaminado por sua atividade como prostituta. Este tipo de estratégia foi freqüentemente encontrado em nossas entrevistas. Bibeau e Perreault, em seu estudo com prostitutas, escrevem: “As narrativas revelavam vidas quebradas e fracionadas, como se os sujeitos estivessem vivendo várias vidas diferentes sem conseguir integrá-las.”(Bibeau&Perreault,1995:55) A fala das entrevistadas revelava, a todo momento, uma tentativa de separar sua vida pessoal da atividade como prostituta. De forma a conseguir isso, muitas ações são escolhidas para funcionarem como rituais de purificação para expelir o “mal da prostituição” de si.

Outro mecanismo utilizado é o das prostitutas se diferenciarem entre si. A fala de Glória é representativa deste tipo de estratégia. Ela nos diz “Tem mulher que briga, é escandalosa, usa drogas. Isso não é normal! Eu não sou assim e nem tenho nenhum tipo de relação com esse tipo de pessoa. Você tem que saber escolher as amizades. Tem gente que diz que prostituta é tudo igual. Isso está errado. Nós somos muito diferentes. Eu não me sinto como uma prostituta. Eu sou muito diferente delas.”. Gaspar escreve, “As meninas demarcam fronteiras e limites ao afirmarem que são realmente prostitutas, mas que são diferentes, e conseqüentemente melhores do que aquelas que ‘ficam em certas ruas’ ou aquelas que usam drogas. O mecanismo de atribuir o estigma a outros tipos de prostituição é, conseqüentemente, um fator estrutural do processo de construção de identidade entre as prostitutas.” (Gaspar,1988:89)

Todas essas estratégias são usadas pela prostituta para convencer a si mesma e aos outros que a prostituição é uma fase transitória, e que, portanto não é algo que pertença a sua verdadeira personalidade. É uma fatalidade temporária. Este tipo de narrativa é inerente ao fato da prostituta considerar sua atividade degradante, e conseqüentemente, como algo que ela não queira se identificar.

Não é então uma surpresa o nosso achado de que em uma área de prostituição, a maioria das prostitutas não se considera prostituta. O que inicialmente parece paradoxal torna-se compreensível. As entrevistadas parecem apontar para a coexistência de dois mundos internos separados, lembrando-nos da metáfora de liminaridade, de Victor Turner. (Turner, 1974; 1993) Uma expressão freqüente usada entre as prostitutas da Praça São João é, “e então...eu caí na vida”, referindo-se a sua entrada na prostituição. Essa frase representa não apenas uma mudança súbita, mas também uma queda. O auto-desprezo, a rejeição e a estigmatização são tópicos importantes no discurso delas. Uma prostituta entrevistada por Dimenstein (1992) diz, “Eu era uma pessoa, mas agora não sou ninguém”.

Quando entra na prostituição a mulher vive um período liminar onde já deixou os seus projetos prévios de ser uma “boa moça”, uma “mulher da casa” etc., mas ainda não aprendeu as regras que moldarão a sua nova sociabilidade (Severino, 1993). A mulher está só e encontra-se fora de qualquer rede de sociabilidade ou suporte. Terá que aprender uma nova “ética” e “estética”, agora pertencentes ao mundo marginal. Neste período é freqüente que a prostituta viva a desfiliação, expressa por sentimentos de abandono, vazio, e uma “morte simbólica”;que em alguns casos podem culminar em tentativas reais de suicídio, onde a mulher transforma uma morte simbólica em uma morte real (De Meis, 1999).

O achado mais freqüente era o das mulheres lutando e negociando continuamente para poder construir uma auto-narrativa positiva para si mesma, tentando escapar do risco permanente de sucumbir no auto-desprezo, na baixa auto-estima e na morte. O renascimento nunca termina. Contudo, esta busca de vida funciona como uma “faca de dois gumes” pois os mesmos mecanismos de defesa que permitem às mulheres reduzir o sofrimento interno também as mantém a margem da sociedade. É como se a fronteira virasse um país e a auto-narrativa das prostitutas ficasse para sempre ligada a transição e a liminaridade. Em outras palavras, as prostitutas tendem a se sentir estrangeiras em sua própria atividade, que é percebida por elas como não pertencendo a sua real identidade.

Tais mecanismos de defesa contra o estigma, como o chamamos, diminuem o sofrimento, o caos interno, a sensação de exclusão e da baixa auto-estima das prostitutas, mas ao mesmo tempo fazem com que elas não participem da associação de prostitutas, como foi observado por nós nos questionários do Mangue.



V.a – Relativizando: Global versus Local

Voltando então as buscas de construção da participação comunitária que estamos observando desde Alma-Ata e a Reforma Sanitária, e que se radicaliza com o advento da AIDS nos perguntamos: Como fazer? Como estimular as prostitutas a se reconhecerem enquanto tal e começarem um movimento de classe, tomando as rédeas do seu destino, postura tão exigida nestes tempos modernos? O que observamos nessa pesquisa é a atualização, no caso específico da prevenção da AIDS entre prostitutas, do embate global entre os valores tradicionais e modernos que estamos vivendo nessa época de globalização e que estamos descrevendo desde o início deste trabalho. O dilema se atualiza nas prostitutas entrevistadas.

Contudo, apesar do modelo de participação comunitária ter sido adotado em quase todos os países, o grande sucesso que lhe era esperado acabou por ter vida curta. Woelk é enfático ao escrever: “Participação comunitária em programas de cuidado em saúde é considerado axiomático para o desenvolvimento em saúde. Documentos políticos de diversas organizações internacionais e governos, todos citam a importância e a necessidade de criar uma participação comunitária. Projetos tem mais chances de serem aceitos e financiados se a frase ‘participação comunitária’ aparecer em pelo menos algum lugar do texto. Na verdade, corremos o risco de fazer deste termo um clichê....” (Woelk,1992:419) São vários os trabalhos que apontam para a relativização deste tipo de estratégia. O entusiasmo inicial cede. A palavra de ordem atual é a cautela. Ganha cada vez mais ênfase a idéia do culturally appropriate. A resposta à AIDS, centrada na participação comunitária, ocorreu nos EUA na década de 80. Ocorreu em um país e em uma época onde os valores liberais-individualistas tinham grande força. Logo, como já foi dito, tentar transpor tal modelo para um contexto como o brasileiro, sem mudanças radicais em seu esqueleto, implicará em grande chance de fracasso.

Stone aponta que a AIDS afeta países e culturas com perfis bastante diversos e que a pesquisa sobre comportamento não dá conta de tamanha diversidade cultural. O fato da epidemia se atualizar de forma diferenciada em cada local faz com que o autor conclua que “não existe lugar para soluções simplísticas ou supostamente universais...”(Aggleton,1994:342)

Durante minha pesquisa de campo acompanhei como espectadora dois projetos de prevenção da AIDS entre prostitutas em duas ONGs no Rio de Janeiro. A partir dessa experiência constatei a dificuldade que as lideranças das ONGs vinham tendo para desenvolver seus projetos entre as prostitutas. O desânimo e mesmo o ressentimento foram diversas vezes testemunhados por mim. Para exemplificar, relato uma passeata que uma dessas ONGs organizou em uma área de prostituição no subúrbio do Rio de Janeiro, onde seria defendido o sexo com camisinha do cliente com a prostitutas. Foram feitas várias faixas e cartazes. A passeata deveria ser levada adiante por prostitutas, mas na hora agá, apesar da pressão da líder do movimento, todas desistiram. Ou seja, quem acabou desfilando e distribuindo camisinhas foram: uma advogada ligada a causas feministas, 3 atrizes de um grupo teatral que discute a prostituição, 1 militante do PT, as próprias organizadoras da ONG e eu mesma... Ou seja, estava todo mundo lá, menos as prostitutas... que ficaram assistindo de longe, aos risos, a cena insólita que se desenvolvia a sua frente. As prostitutas pareciam insensíveis ao tipo de discurso e argumentação desenvolvidos pelas lideranças.

Para tentar entender esse fato, sob luz do que já discutirmos sobre a subjetividade das prostitutas, podemos dizer que é tarefa deveras árdua criar um movimento de classe de prostitutas quando essas próprias não se identificam com a sua atividade: não se considerarem, elas mesmas, verdadeiras prostitutas. Os mecanismos de defesa contra o estigma previnem o sofrimento e a morte, mas ao mesmo tempo impedem a emergência de uma “identidade de prostituta”, boicotando a organização do grupo em movimentos de classe.

Finalmente, não é possível organizar um movimento de classe apenas centrando-se em bases objetivas e racionais. Para tal é necessário congregar o grupo a partir de uma identidade, pertencimento ou objetivo comum que não passa necessariamente em um estilo de narrativa lógica, mas sim poética. Poesia toca diretamente no coração, nos sentimentos. Kakar escreve, “Enquanto eu a ouvia [uma líder comunitária] eu me lembrava novamente da frase de Milan Kundera que dizia que os movimentos políticos não se baseiam tanto em atitudes racionais, mas em fantasias, imagens, palavras e arquétipos...” (Kakar,1995:199) Logo, é de poesia que se precisa para formar grupos entorno de um objetivo comum, envolta de identidades culturais.

Quando são oferecidos apenas ganhos materiais as prostitutas estudadas tendiam a usufrui-los (ex: distribuição de preservativos gratuitos etc.), sem se inserir no movimento de prostitutas em si, como observamos entre 85% das prostitutas entrevistadas no Mangue, zona de prostituição carioca que tinha um movimento de prostitutas bem organizado. Logo, ter a humildade e a sensibilidade de perceber a tragédia e a poesia da prostituta liminar, com suas contradições, conflitos e sofrimentos, é um passo importante para alcançarmos uma melhor comunicação com o grupo. É improdutivo tentar impor o modelo da organização comunitária para todos os grupos sociais, em todos os lugares do mundo. Alguns não vão conseguir se organizar. Serão geralmente os grupos mais tradicionais, mais excluídos, mais marginalizados e que mais necessitam de auxílio do sistema de saúde que ficarão de fora. É um holocausto silencioso.



PROSTITUIÇÃO, PROBLEMA OU SOLUÇÃO?

Conheci Sylvie, uma linda jovem de 20 anos, na Universidade em que estudo. Simpática, estudiosa, inteligente e ... pobre! Vinda do interior da França, deparou-se com a "Selva de Pedra" que é Paris e muitas vezes perguntou-se como faria para pagar os estudos e sobreviver em um lugar onde a solidariedade passa longe. Um dia, conversando comigo declarou: "Repudiei a idéia de prostituir-me quando Betty (outra estudante), ao ver minhas dificuldades, relatou o que fazia dizendo-me que se eu quisesse poderia também... dias depois, eu estava sentada em um bar em 'Saint Germain des Prés', um homem muito gentil pediu-me permissão para acompanhar-me no drink, assenti e, após uma clássica e envolvente conversa, ofereceu-me 450 euros para fazermos amor. Imediatamente, disse não, ele se desculpou levantando-se para partir, então, pensei em minhas dívidas, em Betty, chamei-o e aceitei... hoje tenho cinco amantes fixos, os quais vejo uma ou duas vezes ao mês, sustento-me muito bem assim, não é nada de anormal, só não tenho coragem de ter um namorado porque sentiria-me enganando-o e isso não é certo...".

Diante desse depoimento fiquei pensativa, não assustada, pois sabemos que existem coisas piores. Todavia, não soube como reagir. Demonstrei naturalidade, continuamos amigas e interessei-me pelo assunto. Dizem que a mais velha profissão do mundo terá vida eterna, no entanto é deverasmente perseguida. A Europa se encontra em pleno verão e o número de prostitutas aumenta, sobretudo nos lugares turísticos, como Paris, Nice, Cap. Ferret, etc.

Em Nice, as prostitutas são, em sua maioria, oriundas dos países do Leste europeu, como a Rússia. Com idade entre 25 e 30 anos, "fazem ponto" ao longo da "Promenade des Anglais", principalmente em frente ao hotel "Negresco", o mais famoso da cidade por hospedar pessoas ilustres e ricas.

Em Paris, temos, entre outros, o famoso "Bois de Boulogne", onde elas disputam a clientela com os homossexuais, e "Saint Germain des Prés", local de jovens estudantes e intelectuais. Aí, encontramos, além de estrangeiras, um número considerável de estudantes como Sylvie. Elas ganham entre 200 e 500 euros por parceiro e, segundo elas, não se desgastam muito pensando em dinheiro, pois o aluguel de um apartamento de duas peças está em torno de 300 euros por mês, assim, podem estudar despreocupadas e ainda divertem-se nos finais de semana.

Aparentemente, tudo vai bem. Desse ponto de vista a prostituição é uma solução, mas a sociedade ainda não vê a profissão com tanta naturalidade assim. Na verdade, muitos não a consideram como tal. Na França, não é proibida, mas também não é legal, e o proxenetismo é considerado infração. Nos Países Baixos, a lei de 28/10/99, que vigora desde 01/10/00, dá autonomia ao Conselho Municipal para fixar condições relativas ao exercício da prostituição e abole a condenação ao proxenetismo desde que a prostituição seja voluntária. A Espanha, desde 1995, não sanciona o proxenetismo de maneira geral. A Suécia proíbe os serviços sexuais em todas as circunstâncias: o cliente é multado e pode pegar até seis meses de prisão (segundo lei de 01/01/99). Do ponto de vista jurídico, somente a Bélgica as tem como trabalhadoras independentes, e com exceção dos Países-Baixos, a ausência de reconhecimento jurídico as impede de dispor de uma cobertura social completa, obrigando-as a fazerem um plano de saúde particular. No entanto, normalmente, elas pagam impostos, pois isso independe da legalização da atividade.

Tenho visto que elas vivem de maneira equilibrada, mas, mesmo Sylvie admite a falta de coragem de ter uma relação de verdade, demonstrando, assim, que elas não estão tranqüilas em todos os sentidos; além disso, apesar das precauções, o risco de doenças as inquietam um pouco. Também escondem o "métier", apesar de muitas afirmarem ser um trabalho como outro qualquer.

A questão das adolescentes nesse mercado, cujo número vem aumentando, preocupa os europeus. A pena é mais pesada quando se trata de menores de 16 anos. Alguns afirmam que o fato de ainda existirem prostitutas adolescentes estimula a pedofilia, que tem sido motivo de grande inquietação nos últimos tempos.

Há um certo apoio à essas mulheres, que muitas vezes são chamadas "vítimas" (o que indica a não aceitação da profissão). Existem associações que se ocupam disso, além de várias entidades que ajudam em casos difíceis, como violências e agressões físicas ou morais. Entretanto, elas continuam a ser acusadas de atentado ao pudor, causadoras de desordem, destruidoras de lares, etc.

Apoiadas ou compreendidas por uns, apedrejadas ou desprezadas por outros, elas suscitam-me a vontade de saber se existe uma sociedade em que isso é, ou pode ser resolvido. Qual o tipo de política capaz de exterminar o problema? Se não há um problema, mas se é a solução para as jovens pobres, onde elas poderão se encaixar jurídica e socialmente para serem aceitas? A questão continuará a atravessar séculos sem resposta plausível, mesmo em épocas e países desenvolvidos? Porque o ser humano é tão incapaz diante de fatos tão corriqueiros? Quais as propostas políticas concretas para esses tipos de "desvios" sociais? Onde e quando teremos uma economia adequada, eficiente, (e porque não perfeita?) para resolvermos a crise que uns dizem estar na Europa, outros nas Américas, outros, ainda, no mundo inteiro? Se procurarmos as respostas, isso já será um começo; se começarmos, convém que almejemos um fim...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Prostituição

A prostituição pode ser definida como a troca consciente de favores sexuais por interesses não sentimentais, afetivos ou prazer. Apesar de comumente a prostituição consistir numa relação de troca entre sexo e dinheiro, esta não é uma regra. Pode-se trocar relações sexuais por favorecimento profissional, por bens materiais (incluindo-se o dinheiro), por informação, etc.
A prostituição é praticada mais comumente por
mulheres, mas há um grande número de homens que têm na prostituição um trabalho quotidiano.

1-Conceito

A sensibilidade sobre o que se considera prostituição pode variar dependendo da sociedade, das circunstâncias onde se dá e da moral aplicável no meio em questão.
A prostituição é reprovada em diversas
sociedades, devido a ser contra a moral dominante, à possível disseminação de doenças sexualmente transmissíveis (DST) (tal como o adultério), e ao impacto negativo que poderá ter nas estruturas familiares (embora os clientes possam ser ou não casados).
Na cultura
silvícola de algumas regiões, inclusive no interior da Amazônia, Brasil, e em algumas comunidades isoladas, onde não há a família monogâmica, não existe propriedade privada e por conseguinte não existe a prostituição: o sexo é encarado de forma natural e como uma brincadeira entre os participantes. Já onde houve a entrada da civilização ocidental o fenômeno da prostituição passa a ser observado com a troca de objetos entre brancos e índias em troca de favores sexuais.
2-Atualidade
Modernamente, com as doenças sexualmente transmissíveis, (DST), entre as quais a SIDA (AIDS em inglês), a prática da prostituição recebeu um golpe. Foi necessária a intervenção estatal para o controle e prevenção das doenças, que atingiram níveis de epidemia no final do século XX, início do século XXI, extinguindo boa parte da população de risco (pois são enfermidades fatais aos clientes e prostitutas).
Apesar das tentativas de órgãos de
saúde pública em todo o mundo na prevenção a estas doenças, em regiões mais pobres do planeta, miséria e prostituição são palavras praticamente sinônimas.
Nas regiões mais pobres a miséria, a prostituição, o
tráfico de drogas e as DST se entrelaçam. No Brasil a prostituição infantil é comum nas camadas mais pobres dos grandes centros urbanos. Nas capitais do Nordeste em especial, existe o turismo sexual, onde crianças de ambos os sexos são recrutadas para satisfazer os desejos de pedófilos provindos de todas as partes do mundo, em especial dos Estados Unidos e da Europa.
Alguns países já reconhecem legalmente a prostituição como
profissão, a exemplo da Alemanha.
Com a popularização dos meios de comunicação em massa, novas formas de prostituição se verificaram, como o sexo por telefone, e sites onde o sexo é vendido em filmes, imagens, web cams ao vivo, etc., criando uma nova forma da atividade: a prostituição virtual.
3-No Brasil
No Brasil, numa pesquisa do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília indica que no segundo semestre de 2005 quase 40% das prostitutas estavam na profissão há, no máximo, quatro anos, fato que seria um indício de que a prostituição estaria ligada à juventude e, quando sentem o tempo passar, ficariam desesperançosas. Já o Centro de Educação Sexual, uma ONG que realiza trabalhos com garotas e garotos de programa do Rio de Janeiro e Niterói, diz que a maioria se prostitui para sobreviver, embora muitas pessoas sonham em encontrar um amor, apesar acreditarem que vão carregar um estigma.
A atividade de prostituição no Brasil em si não é considerada ilegal, não incorrendo em penas nem aos clientes, nem às pessoas que se prostituem. Entretanto, o fomento à prostituição e a contratação de mulheres para atuarem como prostitutas é considerado crime, punível com prisão.